A PÓS-VERDADE E A JUSTIÇA
A PÓS-VERDADE E A JUSTIÇA
Edemundo Dias de Oliveira Filho
A Oxford Dictionaries, departamento da universidade de Oxford responsável pela elaboração de dicionários, elege anualmente uma palavra para a língua inglesa. A da ordem do dia é post-truth — pós-verdade.
Um adjetivo que denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção, quando a verdade perde importância. Assim, “deixou de ser um termo periférico para se tornar central no comentário político, agora frequentemente usado por grandes publicações sem a necessidade de esclarecimento ou definição em suas manchetes”, afirma a entidade no texto no qual apresenta a palavra escolhida.
Quem sabe, mais que uma palavra, pós-verdade seja um conceito aferidor do nosso tempo, onde o que vale é a versão, doa a quem doer, desde que os fatos publicizados granjeiem a opinião pública como sendo verdadeiro.
No cenário político, isso tem um efeito avassalador. Embora, sabemos que mentira sempre fez parte da estratégia política, agora, na era virtual, da modernidade líquida, liquidou de vez com a verdade real.
Plataformas que dominam as redes sociais como Facebook, Twitter e Whatsapp favorecem a replicação de boatos. Grande parte dos factóides é compartilhada por conhecidos nos quais os usuários confiam, o que aumenta a aparência de sua legitimidade. E a imprensa, que é tradicionalmente responsável por cotejar os fatos e construir narrativas baseadas na realidade, tem tido dificuldades para disputar espaço nas competitivas redes sociais, agora se vê compelida a empregar o mesmo jogo.
Esse monstrengo vai deixando no seu rastro incontáveis vítimas indefesas, reputações destruídas sem qualquer chance de reabilitação. Pior, quando membros graduados da estrutura jurídica — Polícia, Judiciário e Ministério Público — aderem a essa anomalia, com um ativismo passional, tresloucado pela fama institucional e pessoal, em nome da transparência e da ética, o que se vê é o espetáculo da injustiça, a proliferação do estado de beligerância moral. Enquanto isto, a razão dorme e os monstros aproveitam, diria o genial Francisco Goya.
No julgamento de Jesus Cristo, perante o Tribunal romano, o governador da Judéia Pôncio Pilatos perquiriu-Lhe: o que é a verdade? Jesus não respondeu, talvez porque Pilatos nunca entenderia a resposta. A verdade estava diante dele e ele não via.
EDEMUNDO DIAS DE OLIVEIRA FILHO
Delegado de Polícia (Aposentado), Advogado e Presidente da Comissão de Segurança Pública e Política Criminal da OAB/GO e da Academia Goiana de Direito (ACAD)
Artigo publicado no jornal O Popular, edição de 22.03.17
Ilustração: Google.